sexta-feira, 19 de abril de 2019

Cianorte: padres ‘excomungam’ aves que aninham-se nas árvores ao redor da Matriz. Técnicas vão de fogos a jatos de água

(Texto: Aida Franco)
Bióloga especializada em aves explica a diferença entre os riscos de transmissão de doenças entre pombos comuns e as aves silvestres, que são as que usam as áreas próximas ao Santuário Eucarístico de Cianorte, no Paraná, como dormitório. Diferente do que tem sido propagado, não se trata de uma superpopulação, mas um bando de pombas silvestres, pardais, andorinhas, entre outros, todos protegidos por Lei. 


Igreja Matriz de Cianorte, está ladeada por dois bosque, e no seu entorno uma praça, onde uma Via Sacra, pedestres, carros, árvores e aves disputam espaço (Foto: Aida Franco) Em Cianorte, no Noroeste do Paraná, Igreja e Prefeitura estão em pé de guerra com apoiadores da causa animal. Temas como “pombos e cachorro comunitário” foram parar no sermão das missas da Igreja Matriz. Ocorre que o Santuário Eucarístico, na área central, é ladeado por dois bosques. Porém, por motivos incertos, pombinhas silvestres, conhecidas popularmente como rolinhas ou fogo- apagou, entre outros nomes, ‘preferem’ usar como dormitório as árvores do entorno da Praça João XXIII, em torno da Matriz e claro, defecam no local. Na área, circulam pedestres e turistas, que visitam a releitura da Via Sacra, em tamanho natural, esculpida em chapas de aço pelo artista plástico local, Aristeo Piovesan, além de vagas para estacionamento. Pelo fato de a maior parte do terreno ser pavimentada, o material depositado não se decompõe, como seria o processo natural. Sem a limpeza, exala um forte odor. Em entrevista a um jornal local, o padre Sérgio Carris declarou que:
“A situação está muito triste, tudo está sendo corroído pela sujeira. O cheiro é insuportável, principalmente nos dias de chuva.”, declarou padre Sérgio Carris a um jornal local. “Crianças e famílias freqüentam o parque ao lado da praça. Tem mercado em frente ao Santuário, clínicas e pizzaria, as pessoas pisam na sujeira e levam para dentro dos estabelecimentos. O problema vai se alastrando com a sujeira e o risco de doenças.”
Sem a limpeza do local, a Via Sacra, realizada nas proximidades da Igreja foi transferida para as partes internas da igreja.
Há anos a comunidade denuncia que ao final da tarde são efetuados disparos de fogos para espantar as aves e a situação agrava-se com o corte diário de árvores na área urbana. Por outro lado, sem diferenciar espécies exóticas (vindas de outras regiões) e nativas (originárias dessa região), as aves são todas colocadas em um “balaio de gatos” fazendo com que espalhe-se o medo em relação às doenças que podem ser transmitidas de aves a humanos.
Igreja Matriz, vista do alto, ladeada de árvores onde as aves pernoitam (Foto: Ascom)
A Primeira Estação, do lado esquerdo de quem posiciona-se de frente à Matriz. Ao fundo está o parquinho infantil. Em todo o espaço estão as árvores utilizadas pelas aves como dormitório (Foto: Aida Franco)
Imagem antiga, de cartão postal, mostra uma das laterais da Matriz, livre de árvores e pássaros (Foto: Reprodução)
Na primeira primeira imagem, os pombos domésticos, de rua ou comum (Columbia livia). Na imagem seguinte, as pombinhas silvestres, que podem ser de diversas espécies (Fotos: Google) Para reforçar a necessidade de escorraçar as aves que pernoitam no alto das árvores, tanto Igreja, como Prefeitura e a mídia local, dão a entender que estas referem-se ao pombo doméstico, de rua ou comum (Columbia livia) que é uma espécie originária da Eurasia. E, assim, reforçam uma paranoia coletiva por parte daqueles que temem contrair a “doença do pombo”, diante da informação errônea de que se trata de uma superpopulação dessas aves. Ocorre que as aves em questão não são pombos domésticos, raramente vistos em Cianorte. As rolinhas são, na verdade, aves silvestres, nativas do Brasil e com importante papel ecológico. Ou seja, as aves em questão são, realmente, da mesma família que os pombos comuns, a família columbidae. Mas essa grande família pode ultrapassar mais de 300 espécies e no caso específico de Cianorte, trata-se de espécies nativas, entre elas a mais comum, acinzentada (Zanaida auriculata), outras de tons marrons (Columbina talpacoti) e até mesmo outra de penugem raja (Columbina squammata). Também não se trata de uma superpopulação, mas um bando misto, inclusive com outras espécies, como pardais, andorinhas, entre outras.
“Todo animal silvestre pode transmitir doenças, porém o risco que essas geram é mínimo. O problema sanitário é em relação aos pombos domésticos, que são animais que foram introduzidos no convívio humano”, explica a bióloga, doutorando em Biologia Comparada pela Universidade Estadual de Maringá – UEM, Priscilla Esclarski. Com mestrado em Ecologia e especialização em Gestão Ambiental e Sustentabilidade, a profissional trabalha com aves da Mata Atlântica e da Amazônia.
Priscilla dedica suas pesquisas às aves e fala com propriedade sobre o tema (Foto: Arquivo pessoal 

A pesquisadora esclarece que os pombos domésticos são mais suscetíveis aos vírus da nossa região e não têm predadores naturais. “Esses sim não têm controle de população. Essas rolinhas não são uma superpopulação, elas apenas usam o mesmo dormitório”.
Aves aninhadas entre os galhos, no período noturno. Elas “escolhem” algumas árvores em detrimento de outras no mesmo local (Foto: Aida Franco)

É importante ressaltar que as doenças são transmitidas apenas se houver contato humano intenso com a ave, quando pode haver a transmissão de toxoplasmose, assim como os gatos domésticos e doenças pelos ectoparasitas, como dermatites.
Bióloga explica que as fezes das aves, em ambiente aberto, não implicam nos mesmos riscos à saúde humana de quando em ambientes fechados. Na ilustração uma das estátuas que ficam abaixo de um galhos onde as aves pernoitam (Foto: Aida Franco)
A cruzada contra as aves silvestres tem causado muita discussão na comunidade pois nem todos aceitam os métodos usados para ‘afugentar’ os pássaros que vão desde estouro de fogos, jatos de água lançados pelo Corpo de Bombeiros, algazarra com motocicletas, águias eletrônicas, caixas de som, à destruição de ninhos. No local há inclusive fios amarrados nos galhos, usados para espantar as aves. No parquinho ao lado da igreja, a crueldade é ainda maior. “Eles assustam os pássaros com rojões e até com os sinos da igreja para fazer com que eles saiam dali. Eu tinha ido ao parque outra dia e vi que tinha ninhos lá nas árvores. Teve um dia que vi os filhotes todos mortos e espalhados de baixo das árvores e os ninhos arrancados”, denuncia uma moradora.
Fios amarrados em galhos das árvores, onde os pássaros pousam, sob vagas de estacionamento (Foto: Turma da Mel & Cães Comunitários)


Além de sujar as estátuas, as fezes atingem carros estacionados no período noturno (Foto: Turma da Mel & Cães Comunitários)

 
                                   
De acordo com Priscilla, é possível que tenha mais de uma espécie de pombos nessa região, porque elas têm o hábito de formarem bandos mistos e que algumas delas estão em risco de extinção. Bandos de andorinhas também são vistos acomodando-se entre as árvores da cidade.
Print de um dos vídeos, que circula nas redes sociais,  após as bombas serem jogadas no local 

Na Página da Turma da Mel e Cães Comunitários, há dezenas de comentários e um vídeo postado no dia 30 de março denuncia o que é considerado como crime ambiental. No vídeo ouve-se o estampido de fogos, disparados no fim da tarde, horário em que os pássaros preparam-se para aninharem entre as árvores. O homem seria funcionário da Prefeitura de Cianorte. Na região há hospitais e inúmeras residências. “Sou enfermeiro e tenho pacientes acamados, com necessidades especiais e soltar fogos atinge a recuperação deles. Se fosse alguém da sua família que passa a noite em claro com necessidades você iria gostar?”, questiona um internauta a uma moradora que defende as medidas usadas para afugentar as aves. “Sou testemunha do fato. Foram mais de quinze minutos incomodando até as crianças que estavam no parque. Estou grávida, saí do parque com dor de cabeça pois foram mais de vinte estouros. Queria que este ser humano fizesse isso perto do filho dele pois o meu tive que levar para casa chorando e assustado”, desabafou uma internauta.


 
Após uma enxurrada de críticas, nas redes sociais, aos métodos experimentados, no dia 10 de abril, a Prefeitura de Cianorte, através da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, divulgou um vídeo para noticiar a instalação de odorizadores nas árvores. De acordo com as informações oficiais, as naftalinas aliadas ao óleo de canela, não afetam a saúde das aves, apenas as afugentariam para outro local. “Expulsam os passarinhos e amam a carniça que exala a cidade vai entender um tipo de gente assim.”, criticou um internauta. Ele faz referência a uma mau cheiro que toma conta de toda a Cidade, há anos, proveniente de alguma empresa que lida com detrito animal, com a qual as autoridades preocupadas com as fezes dos pássaros não demonstram preocupação.

Odorizadores, é outro experimento para afugentar as aves (Foto: Aida Franco)
A bióloga Priscilla Esclarski ressalta que pode haver um dano ainda maior com o uso dos repelentes, como evasão de insetos e intoxicação de animais. Para ela a limpeza do local e educação ambiental seria o ideal para a solução do problema. “A limpeza das fezes em local aberto não tem risco à saúde humana, e ainda que houvesse o uso de uma máscara seria o suficiente para a proteção individual do funcionário”, destaca a pesquisadora.

A briga entre parcela da comunidade que defende os pássaros e a Igreja já gerou até um abaixo-assinado, com mais de mil assinaturas. Acontece que além dos pássaros, os padres querem expulsar os cães comunitários que vivem em um dos bosques, a cerca de 300 metros do Santuário, em um ‘cão-domínio’. O abaixo-assinado pede a substituição dos padres que não querem os cães e pássaros no Bosque da Matriz de Cianorte, é dirigido ao Dom João Mamede Filho, OFM, Terceiro Bispo da Diocese do Divino Espírito Santo de Umuarama. No texto, salienta-se que os cães estão protegidos pela Lei Estadual 17.422/12 que assegura o direito do Cão Comunitário; Lei Municipal de Cianorte 4597/2015 e Lei Federal de Crimes Ambientais 9.605/1988. Por ironia do destino, o Bispo é vinculado à Ordem de São Francisco de Assis, o padroeiro dos animais.


Recentemente a Prefeitura de Cianorte anunciou a revitalização do entorno, com um projeto que prevê inclusive a implantação de fonte e readequação dos estacionamentos. E a comunidade já está alerta ao que parece render mais uma queda de braço, em defesa dos animais

A moradora Edjany Ferreira questiona tais atitudes vindas por parte da Igreja. “E logo em um local onde deveriam exercer a caridade e o amor ao próximo, pois foi o que Jesus nos ensinou, aí fazem isso com os pássaros? Fazem com os cães? Tem o hospital aí perto, tem o parquinho das crianças, parabéns a quem permite essa palhaçada, isso precisa acabar. Aí vem com aquela história de revitalização do bosque, vai que cola…” (Fotos: Ascom)

A dúvida recorrente é por qual motivo as aves escolhem ficar justamente onde não são bem- vindas, sendo que a poucos metros dali, há dois amplos bosque onde as mesmas poderiam ficar sem causar incômodo algum.

Para a a bióloga Priscilla Esclarski, “mesmo com um estudo não temos como afirmar o porque delas estarem optando por essa área. Mas se observarmos o comportamento podemos indicar as causas mais evidentes.”

Segundo a mesma, em princípio podem ser lançadas algumas suposições. Entre elas estaria uma relação ao aquecimento que as luzes trazem; o fato de a iluminação atrair insetos que as aves usam pra complementar a alimentação; a disponibilidade de resíduos humanos dos quais elas se alimentam ou até em virtude do corte de árvores em outras regiões da cidade. Essa última hipótese é citada por muitos moradores que criticam o corte diário de árvores, o que motivou um outro abaixo assinado, prestes a atingir 20 mil assinaturas.

Nas proximidades, na Avenida Mato Grosso, em 2018 foram cortadas em um só dia 12 pés de mangas. Importante salientar que apesar de os fogos serem denunciado há anos, o acúmulo de resíduos ocorre simultaneamente às revitalizações que exigem o corte de árvores e à ausência de limpeza do local.
Comunidade critica o excesso de corte de árvores urbanas, o que pode ser um motivo de bandos de aves migrarem para as laterias da Matriz, onde o local simula as vias urbanas (Foto: Print de Change.org)
Na página da Turma da Mel, sugere-se que tanto Prefeitura como Igreja organizem-se para realizar uma Frente de Trabalho, que é uma situação legalizada em que o Município contrata trabalhadores de baixa renda e alta vulnerabilidade social para serviços de limpeza. Outra proposta é que sejam feitos grupos de trabalho, para serviço voluntário. O problema da deposição inadequada do lixo em Cianorte, por parte dos moradores é recorrente tanto na zona rural, como urbana e já foi pauta de diversas matérias na TV. Oficializar a limpeza contínua da lateral da Igreja, seria apenas mais uma tarefa a ser desempenhada, exigindo recursos públicos ou provenientes do caixa da Igreja. Porém, há a significativa diferença que nesse caso, trata-se apenas de animais irracionais, enquanto que nas avenidas e áreas rurais, o lixo é proveniente da espécie considerada inteligente. Atualmente, Cianorte vive uma epidemia, não de doença do pombo, mas de dengue!
Lixeira comunitária na zona rural de Cianorte. Além do lixo irregular, descartam animais. Na imagem, um cachorro recolhido pela ativista Simone Ziliane. (Foto: Arquivo pessoal)
Nas áreas centrais, após as baladas, o lixo fica para trás (Foto: Aida Franco)
Na zona rural, a lixeiras comunitárias são usadas como depósitos de lixo (Foto: Aida Franco)
As placas informativas são ignoradas pelos moradores que fazem o descarte de modo inadequado (Foto: Aida Franco)
Uma enquete, na página Turma da Mel & Cães Comunitários aponta que entre os 83 votantes, 96% defende a limpeza, contra 4% que acreditam que os pássaros devem ser expulsos do local.
Vale lembrar que Cianorte abriga o Parque Municipal do Cinturão Verde, a segunda maior reserva florestal urbana do Brasil, ficando atrás apenas da Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro. Desse modo o convívio entre humanos e demais espécies deveria ser hamônico e não antagônico. As espécies nativas que usam as árvores como dormitório são protegidas por lei (Lei 5.197, 3 de janeiro de 1967) e em casos que seja constatado a necessidade de manejo e controle populacional de espécies, o mesmo deve ser realizado por profissionais devidamente capacitados e autorizados pelo órgão ambiental (IBAMA – Instrução Normativa 108, 1 de agosto de 2006). De acordo com Priscilla Esclarski, o manejo da forma como está sendo realizado é infundado, visto que não há comprovação de superpopulação de espécie ou risco à saúde publica; é inadequado, visto que as medidas adotadas são indicadas para controle de espécies exóticas e não de nativas; e irregular, visto que o manejo não é realizado por profissional especializado e licenciado pelos órgãos competentes como determina as leis supracitadas.
O artista plástico Aristeo Piovesan, antes de as peças da Via Sacra serem instaladas, em 2013, no entorno da Matriz. Sua releitura, em especial nessa obra, é um alerta sobre a exploração da natureza e as consequência à sociedade, em Cianorte e no restante do mundo (Foto: Arquivo Pessoal)
Estação 10, uma releitura da realidade como a natureza é tratada (Foto: Aida Franco)
O artista compara o calvário de Jesus com o da Natureza (Foto: Aida Franco)
A poluição que contamina nosso ar (Foto: Aida Franco)
Aves massacradas na Via Sacra e no Santuário (Foto: Aida Franco)
A motossera engole o verde de Cianorte diariamente (Foto: Aida Franco)
Milhares de vidas se vão com a morte de nossas árvores (Foto: Aida Franco)
Todas as espécies têm papel relevante no ciclo da vida (Foto: Aida Franco)
As aves são presença constante na releitura da Via Sacra (Foto: Aida Franco)
Uma cena que representa a realidade atual (Foto: Aida Franco)